Diário de uma Cereja Azeda - Parte 2

Zuenir Ventura, em toda sua sabedoria, já disse certa vez que não existe inveja boa. Concordo com o autor de Mau Secreto e fiquei esses dias pensando no escritor e jornalista. De secreta, em tempos de redes sociais, big brother e celebridades instantâneas, a inveja se torna um dos “pecados” mais declarados da atualidade e o fato dela ser tão divulgada, cada dia tem mais gente dizendo sentir inveja de alguém, não a torna um sentimento bom. “Inveja branca”, como definem alguns, não existe. O invejoso, mesmo quando diz a frase torpe – “olha, tô com inveja, mas é do tipo boa tá?” -, na verdade sente é despeito amargo e gostaria de ter a vida ou de ser a pessoa alvo da inveja. Simples assim. Querer ter o que é do outro, querer ser a outra pessoa, querer a vida dela, não pode nunca ser um sentimento considerado bom. A inveja não é branca e nem preta, ela é abissal, profunda, tenebrosa, mesquinha e danosa. Não vamos envolver as cores nessa baixaria!
Lembrei de Zuenir e da inveja por causa de um texto que li outro dia. Um blogueiro de uma revista famosa respondia a carta de uma leitora que se sentia frustrada, deprimida e com raiva das postagens de seus amigos no Facebook. A leitora criticava os amigos e conhecidos por postarem fotos de momentos felizes de suas vidas, por mostrarem o churrasco do fim de semana, a viagem com o amor, os filhos, as conquistas profissionais. No texto, ela dizia que sabia que na “vida real” todos tinham uma existência tão medíocre, um emprego tão mais ou menos, quanto ela mesma, que se intitulava uma solitária. A moça dizia ainda que o Facebook a cansava e decepcionava por parecer um grande comercial de margarina.
Não consegui sentir pena dessa alma atormentada, que parecia mesmo sofrer com a felicidade alheia. Acredito que ela tenha um transtorno psicológico chamado Síndrome da Comparação Social, um nome pomposo e médico para explicar a inveja mórbida, aquela que adoece. E qual inveja não é assim? Essa síndrome, explicam os psicólogos, leva a pessoa a ficar o tempo inteiro medindo a própria vida pela vida dos outros. Ela compara desde a própria aparência física até empregos, casas, bairro onde o outro mora, relacionamentos…Em resumo, a criatura que sofre do tal transtorno é do tipo que sempre acha a grama do vizinho mais verde e que se sente um injustiçado por não ser ela a dona daquela grama tão reluzente. A síndrome, segundo uma reportagem que li, leva a ansiedade, depressão, agressividade e baixa estima.
Acredito, embora não seja psicóloga, que é justamente o contrário. A falta de autoconfiança, a baixa estima, a imaturidade e incapacidade de lidar com o mundo real e suas limitações, discernindo o que é ilusão do que é concreto, a incapacidade de ter ilhas de consolo (as fotos sorridentes na internet na verdade são carinhos que fazemos em nós mesmos justamente porque a vida é isso gente, uma mistura de prazer e dor, momentos lindos e outros bizonhos), é que faz surgir a Síndrome da Comparação Social, que no fundo seria mais uma das tantas paranoias que tiram o sono dos psicanalistas.
O invejoso é acima de tudo um paranóico. Não tem outra explicação para definir alguém que passa a vida monitorando a existência alheia e cobiçando aquilo que não lhe pertence de forma tão obsessiva e obstinada!
Invejosos são, acredito, também compulsivos. Eles sempre buscam um alvo e, tal qual os ciumentos, colocam lentes de aumento em cada pequena conquista desse alvo. Exemplo: Uma pessoa vai viajar a trabalho para alguma cidade que é ponto turístico famoso. Provavelmente, não terá tempo de se divertir, pois é uma viagem bate e volta, mas, pode no trajeto entre o aeroporto e o hotel, fazer umas fotos bacanas para registrar o fato de que esteve naquele lugar bonito, de repente para mostrar aos familiares. Eu faria isso, lógico, todos precisamos de recordações para viver, todos temos de ter nossa reserva de bons momentos para lembrarmos deles nos dias ruins. Mas, um invejoso iria olhar as fotos com o despeito característico e obviamente teceria um filminho na sua imaginação doente de que aquela pessoa se divertiu à beça na viagem, que era uma sortuda pelo chefe tê-la levado, que ele (o invejoso) nunca tinha essa sorte e etc. Num segundo estágio, o invejoso começaria a dizer que o colega que viajou deve ter prestado algum favor escuso para o chefe (se for uma colega então, vocês imaginam como estará a reputação dessa pobre alma na empresa, alvo de todo tipo de comentário despeitado e maledicente); que a pessoa é na verdade uma incompetente, que quem merecia ter ido na tal viagem não era essa pessoa e que sim, ele, o invejoso, é que devia ter viajado, porque tem mais qualidades e blá blá blá…
É coisa de alguém que precisa de ajuda não é? Psicoterapia talvez ajude esse invejoso de carteirinha a descobrir porque a vida dos outros é tão mais interessante a ponto dele não querer a sua própria, mas a do outro, sempre. Por que será que o invejoso não enxerga que todas as pessoas, independente de mostrarem seu perfil mais bonito na rede social, tem seus momentos bons e também os ruins? Por que ele obsessivamente persegue cada sucesso alheio e os toma como uma ofensa pessoal? O problema está mesmo nas pessoas que compartilham fotos, sorrisos (algumas compartilham mágoas e chateações também, que o invejoso, claro, não enxerga) e ideias numa rede social? Ou o problema está em quem não sabe dividir, não entende o que é compartilhar, não sabe o que é curtir a felicidade alheia de forma desinteressada, principalmente quando se trata de amigos? Fico impressionada como vejo pessoas se ressentindo do sucesso daqueles que elas dizem ser amigas! Dá nojo e isso sim é que deprime.
Não digo que não existam pessoas que usem as redes sociais para se exibir e assim se sentirem superiores aos outros. Claro que existem! Mas será que todo mundo que posta as fotos dos seus momentos de felicidade na internet é um exibido em potencial, um Narciso high tech? Será que todo mundo que envia um link para os amigos de uma descoberta bacana feita na web está só querendo demonstrar o quanto é cool e inteligente? Será que todo  mundo que comenta um livro ou um filme tá querendo só que os outros babem e digam “oh, como fulano é culto?” Imagina se cada pessoa que tem algo de bom para passar aos seus semelhantes, se calar? Se as discussões acadêmicas pararem porque alguém sempre vai achar que o outro está querendo posar de gênio da raça? Voltemos todos então ao tempo das cavernas e ao uga-uga, porque pelo visto, invejosos acreditam que conhecimento é algo ofensivo!
A verdade é que todos sempre queremos ser amados, admirados e respeitados, é da natureza humana buscar aceitação e também unir-se por afinidades. E para isso mostramos nosso lado mais bacana, mais cordial, mais elegante aos outros. Pior seria se o Facebook, ou qualquer outra rede social, servisse apenas para mostrar as inseguranças, incertezas, egoismos, fragilidades, birras e calundus que de uma forma ou de outra todo mundo comete, ou sente, nem que seja uma vez na vida.
Mostrar o tanto de beleza que há nesse vasto mundo, seja na própria  vida ou na dos outros, no cosmos, na matéria sobre aquele resort que não temos grana para ir, mas nem por isso deixa de ser bonito, fotografando a cena do ângulo mais simpático, não é hipocrisia e nem polianismo. Curtir ou deixar que os outros curtam o que há de melhor em nós não é fugir da realidade ou querer enganar os outros posando de “última coca-cola do deserto”. Hipócrita é o invejoso que vai lá e curte o status alto-astral dos outros e depois resmunga pelos cantos: “que falso (a), tem uma vida tão merda quanto a minha e fica de pose no Facebook”. E por acaso, ao mostrar uma cena bonita no Face, no álbum de casamento ou na vitrine do shopping, alguém está dizendo que a sua vida não tem lá seus dias de penico cheio, que o trabalho não está tão interessante quanto gostaríamos ou que o namorado gostoso da imagem não tem  um chulé insuportável? Uma coisa não exclui a outra, só que geralmente, a dor a gente só divide com aqueles amigos e familiares mais íntimos. Querer discrição nas derrotas é perfeitamente compreensível.
Só os invejosos enxergam um lado único da moeda, de preferência o lado que sempre os desmerece em detrimento dos méritos de outra pessoa. De minha parte, se encontro gente assim, corro léguas!

texto: ''não me lembro de onde retirei''

Nenhum comentário

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...